A advogada Maria Eduarda Aguiar do Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro, invocou a lei 13.847 de 19 de junho de 2019 (LEI RENATO DA MATTA) e felizmente logrou uma grande vitoria parabéns querida pela garra e pela conquista,a onde passa um boi passa uma boiada!!
Primeira sentença de procedência graças a Lei Renato da Mata
SENTENÇA
SENTENÇA- TIPO A
Defiro a gratuidade de justiça.
Trata-se de ação sumaríssima em que a parte autora, qualificada na inicial, pretende o restabelecimento pleno da aposentadoria por invalidez NB 3, que está recebendo mensalidade de recuperação com previsão de cessação em 28/09/2019, sustentando que ainda apresenta sérios problemas de saúde que a impossibilitam de exercer atividade laborativa, de modo definitivo.
Contestação devidamente apresentada pelo INSS.
Para o deslinde da controvérsia, necessário se verificar se encontram presentes os requisitos legais necessários à concessão do benefício pleiteado, consoante disposição do artigo 42 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.”
Da redação dos dispositivos acima transcritos extrai-se que três são os requisitos legais genericamente necessários para que o segurado faça jus aos benefícios em tela: a) comprovação de sua qualidade de segurado da Previdência Social; b) comprovação do cumprimento do período de carência mínimo de 12 meses (art. 25, I, Lei nº 8.213/91); c) existência de incapacidade.
Em qualquer caso, a análise da incapacidade no caso concreto deverá ser efetivada mediante critérios de razoabilidade e observando-se os aspectos pessoais e circunstanciais, tais como a idade, a qualificação pessoal e profissional do segurado, entre outros, que permitam definir sobre o grau prático (e não meramente teórico) da incapacidade.
A autora é portadora do vírus HIV, e padece da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida há muitos anos, tendo sido essa a principal causa de sua aposentadoria, como se nota do laudo pericial administrativo realizado no INSS (Evento 11, LAUDO 5), que determinou, em 28/03/2018, o início da mensalidade de recuperação que a autora vem recebendo.
Ocorre que a partir da Lei 13.847/2019 há uma presunção legal de que a pessoa que padece da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, e recebe aposentadoria por invalidez, detém uma incapacidade laborativa total e permanente, em decorrência de patologia incapacitante estigmatizante, que não pode ser mais questionada por nova perícia, não havendo mais qualquer dispositivo legal que autorize a realização de nova perícia para reavaliação das condições que ensejaram o benefício.
Sequer haverá a necessidade de realização de perícia judicial.
Com efeito, há uma alta carga estigmatizante aos portadores de HIV/AIDS. Em acórdão publicado em 05/12/2016 (AC 0003928-24.2016.4.04.9999), o Desembargador Federal dr. Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, muito bem descreveu a situação delicada de portadores do HIV/AIDS que estejam em condições de incapacidade laborativa:
“O enfrentamento da incapacidade do portador do vírus HIV demanda uma análise mais complexa, que vai além da perícia do corpo, devendo incursionar pela relação deste corpo com o ambiente social e econômico em que está inserido o postulante do benefício. Digo que a ciência tem feito progressos, o Advogado ressaltou esse aspecto, significativos no tratamento da doença. O Programa Brasileiro de Prevenção e Combate à AIDS é um exemplo admirado para o mundo todo. Um portador do vírus HIV já não padece hoje em dia dos mesmos sofrimentos de que era vítima na década de 80, o doente ganhou uma possibilidade de sobrevida inimaginável há bem pouco tempo. Nada disso, porém, serve para afastar um dado inquestionável, o portador da moléstia convive com a possibilidade da morte e convive diuturnamente. Albert Camus dizia que o único problema filosófico importante é a morte. Todo sabemos que vamos morrer um dia, essa ideia, no entanto, não nos atormenta cotidianamente, é de uma forma abstrata, por assim dizer, que enfrentamos essa inevitabilidade, a nossa finitude, a finitude da condição humana. Com o doente de AIDS isso não ocorre, apesar do avanço das técnicas e tratamento e mesmo da possibilidade de estabilidade da doença, a AIDS traz consigo a marca tenebrosa da doença incurável. Há aqueles que reagem bem à doença e à ociosidade preferem uma ocupação produtiva, talvez como forma terapêutica o gosto pelo trabalho psicológico, desinteressante em vista disso. Não apenas das ocupações laborais, como também das outras atividades normais da vida cotidiana, por outro lado. Nós ainda cultivamos nesse campo uma espécie de preconceito envergonhado. As relações do portador do vírus HIV, salvo raríssimas exceções, não serão as mesmas no seu ambiente de trabalho. Submeter um doente de AIDS à volta forçada ao trabalho seria cometer com ele uma violência injustificável. Diante disso, ainda que o laudo pericial tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, é forçoso reconhecer que a confirmação da existência do vírus HIV configura um requisito incapacitante necessário à concessão do benefício assistencial ora reclamado. Porquanto é cediço que, ao contrário de determinados setores da sociedade em que já é possível a plena reinserção profissional das pessoas acometidas dessa enfermidade, é consabido que, nas camadas populares, o advogado ressaltou esse aspecto, ainda permanece tal efeito estigmatizante que inviabiliza a obtenção do trabalho, como o de diarista e outros trabalhos que nós conhecemos que são próprios da atividade do meio rural.”
Quanto à retroatividade dessa nova legislação, estamos a cuidar de nítida norma mais benéfica ao cidadão, que deve ser aplicada retroativamente, especialmente diante da possibilidade trazida pelo art. 493 do CPC: “Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.” Nessas situações, o juiz poderá utilizar a regra nova mais benéfica para os fatos ocorridos anteriormente à vigência da nova regra.
Deve ser lembrado, por outro lado, que o Estado não pode alegar questões de segurança jurídica ou de proteção da confiança em face de regras que ele próprio criou, sem restrição à retroatividade mais benéfica. O Estado não é destinatário da proteção da confiança, mas sim o cidadão. O Estado e as pessoas jurídicas por ele criadas, como o INSS, não podem alegar a proteção da confiança, com a pretensão de buscarem a validação de entendimentos anteriores e não se aplicarem entendimentos posteriores, mais gravosos aos seus interesses e mais benéficos ao cidadão, da lavra desse mesmo Estado. Neste sentido, eis o que afirma Humberto Ávila, em sua obra Teoria da Segurança Jurídica, 2016, Editora Malheiros, p. 172/174:
“Uma questão importantíssima é a de saber se o Estado pode ser beneficiário da segurança jurídica. Nesse aspecto, é preciso, antes, definir em que sentido se está tomando a ‘segurança jurídica’. Se segurança jurídica é empregada no sentido de princípio objetivo, obviamente a cognoscibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade do ordenamento jurídico em geral também são imprescindíveis para o funcionamento do próprio ente estatal. [...] Se, em vez disso, a segurança jurídica é utilizada no sentido subjetivo, como a aplicação reflexiva do princípio da segurança jurídica relativamente a algum sujeito, já existem sérios obstáculos normativos à sua consideração em favor do Estado. Esses obstáculos são de duas ordens. De um lado, e em geral, a eficácia reflexiva e subjetiva do princípio da segurança jurídica, como proteção da confiança, é desenvolvida sob o influxo dos direitos fundamentais, e não, primordialmente, do princípio do Estado de Direito. E os direitos fundamentais, na sua eficácia defensiva e protetiva, só podem ser utilizados pelos cidadãos, não pelo Estado. Ao Estado falta o substrato pessoal, a vinculação com o exercício da liberdade, a relação com a dignidade humana e a posição de destinatário das normas: o Estado é uma instituição objetiva, não uma pessoa humana; não exerce liberdade, mas competência e poder; não tem dignidade; não é destinatário das normas, mas seu editor. Desse modo, o Estado não pode valer-se do princípio da proteção da confiança para tornar intangíveis determinados efeitos passados sob o argumento de que teria atuado confiando na permanência da norma posteriormente declarada inconstitucional, tendo em vista que esse princípio é construído com base nos direitos fundamentais de liberdade e de propriedade”.
Ou seja, o Estado não pode alegar, por exemplo, que possui o direito fundamental a eventual direito adquirido, à irretroatividade ou à proteção da sua confiança, pois se tratam de garantias jurídicas que existem para a proteção do indivíduo em relação aos atos estatais, e não para a proteção do Estado em relação ao indivíduo. Muito ao contrário, os representantes estatais deverão zelar pela adoção de comportamentos que não sejam contraditórios, perante os indivíduos que com eles se relacionem, pois uma alteração de entendimento estatal que, em tese, prejudique o Estado, pode nada mais ser que a realização do justo com a correção de um erro estatal anterior e/ou um comportamento a priori contraditório do próprio Estado, em vez de uma hipotética e juridicamente impossível “violação da confiança do Estado”.
Ora, se o Estado quisesse que a norma não fosse retroativa, e não beneficiasse, de modo igualitário, todos os aposentados por invalidez com HIV/AIDS, teria feito essa previsão no texto legal, o que não ocorreu. Não o fazendo, a norma deve retroagir, a fim de se respeitar a igualdade real entre todos esses indivíduos.
Portanto, entendo que a norma em questão é passível de aplicação retroativa, em respeito ao fato de que o Estado não é sujeito do direito à segurança jurídica, mas sim seu garantidor, bem como ao direito à igualdade, direito fundamental previsto no caput do art. 5º, da CF.
Por todo o exposto, é forçoso concluir que não houve descontinuidade dos motivos que deram origem ao benefício, sendo o seu restabelecimento, em sua plenitude, medida de rigor. Fixo como termo inicial para o pleno restabelecimento da aposentadoria por invalidez em favor da autora o dia 28/03/2018, quando realizou a indevida perícia revisional no INSS.
DISPOSITIVO
Diante de todo o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do art. 487, I, do CPC, para condenar o INSS a restabelecer, em favor da parte autora, o benefício de aposentadoria por invalidez a partir de 28/03/2018, em sua integralidade e plenitude. CONDENO, ainda, o INSS a pagar as prestações vencidas a contar de 28/03/2018 até o efetivo restabelecimento pleno da aposentadoria, sendo devido o desconto das parcelas pagas a título de mensalidade de recuperação, desde essa mesma data. Quanto aos valores atrasados, devem incidir correção monetária pelo INPC, contada desde a data em que os valores deveriam ter sido pagos, e juros de mora de 0,5% ao mês, estes a contar da citação
Defiro a tutela antecipada para que a aposentadoria por invalidez seja restabelecida em sua plenitude, no prazo máximo de 20 dias, diante de seu caráter alimentar, e do fumus boni iuris demonstrado no curso desta sentença. Intime-se a AADJ, com urgência.
Diante da decisão acima, deverá a parte sucumbente ressarcir os valores antecipados por esta Seção Judiciária a título de honorários periciais, nos termos do §1º do art. 12 da Lei n.º 10.259/01.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos dos artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/95.
Caso haja recurso de qualquer das partes dentro do prazo de 10 (dez) dias, intimem-se os recorridos para, querendo, oferecerem resposta escrita no mesmo prazo, nos termos do § 2.º do artigo 42 da Lei nº 9.099/1995, cumulado com o artigo 1º. da Lei n.º 10.259/2001. Após, apresentadas ou não as defesas escritas, remetam-se os autos à Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.
Com o trânsito em julgado, intime-se o INSS para apresentar o cálculo das parcelas atrasadas, no prazo de 30 dias.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 01/07/2019
Fica a dica para os advogados previdenciários que pegarem causas de soropositivos desaposentados no pente fino do INSS.